Tokyo-Ga (1985), Wim Wenders | Análise crítica
Texto por: João Pedro da Silva
Em Tokyo-Ga (1985), Wenders transforma o documentário intimista e pessoal em uma espécie de elegia saudosista ao seu mestre: Yasujirō Ozu e sua obra Era uma vez em Tokyo (1953). Falar de cinema pelo cinema é o cerne dessa filmagem, senão, a essência é tratar do cinema de Ozu e o contraste com a modernidade japonesa pós Segunda Guerra. Wenders se apaixona por Ozu como o astrônomo pelas estrelas e nisso o cineasta japonês equivale como ídolo do diretor alemão, este que enxerga a melancolia, liquidez e desarranjo identitário na nova sociedade japonesa — Herzog afirma com convicção (pois diz em alemão) que as imagens de Tóquio estão impuras e tem dificuldade de encontrar algo de natural em meio a todo o caos da metrópoles. Imagine se apaixonar pela imagem do Japão de Ozu; sua identidade, realidade e natureza são sublimes em cena, mas a experiência do fato é desestimulante, irreal e evanescente, ou seja, decanta a fixidez. A forma engloba o núcleo, o continente engole o conteúdo e o metamorfoseia em repetição sem ação consciente, desde os jogos de golf até as imitações de comidas — como pode a parte mais real do trabalho, o descanso da refeição, ter sido a única cena não permitida a ser gravada? A câmera filma porque esse é o seu propósito, Wenders apenas a guia pelo espaço do Mu (nada, vazio) por um Japão que não é mais o mesmo sem Ozu. Mas ele está lá, o mestre está por toda a parte, seja em Ryū Chishū ou Yūharu Atsuta, seja em seu cronômetro ou câmera 50mm, do início ao fim Ozu aparece pela perspectiva de Wenders — as cenas de Era uma vez em Tóquio, ao principiar e finalizar o documentário, demonstram isso. O perigo que a vista em partes cega de Wenders não enxerga devido ao seu fascínio amoroso por Ozu, é de criar uma identidade japonesa ozuiana. O perigo que, à primeira vista, cega Wenders é o seu fascínio amoroso por Ozu, ao criar uma identidade japonesa ozuiana. (Veja se é isso que vc quis dizer). A falta de seu ídolo — e Nietzsche já advertia sobre a criação de astros — instiga em Wenders a organizar uma representação espiritual de Ozu na contemporaneidade japonesa, não para manter Ozu “vivo” em meio a dinamicidade do mundo (pois a volatilidade do real é imanente de si mesmo), mas para ele próprio manter-se vívido sem a pessoa que o mantinha enérgico e bem-disposto para a vida. O cinema fixa a imagem na tela e cria o movimento — para Deleuze sim, talvez nem tanto para Bergson –, mas ata o sentimento de quem o assiste e o dever de quem vê é não ser tomado por uma onda efervescente de emoções. Wenders, no entanto, se afogou no mar de Ozu.