Nausicaä do Vale do Vento e o Cinema Japonês em Diálogo com a Pandemia
Por Elielton Ribeiro
Nausicaä do Vale do Vento (1984) é um filme de animação que foi dirigido pelo animador, cineasta, roteirista, escritor e artista de mangá Hayao Miyazaki, um ano antes da criação do Studio Ghibli, pelo qual desenvolveu outros filmes de animação e conquistou muito sucesso com o gênero.
Nausicaä é o nome da protagonista no enredo do filme, caracterizada como uma jovem princesa sensível, atenciosa, forte, determinada e com poder de decisão. Tais qualidades para a construção de uma personagem feminina se tornaram uma marca de Miyazaki, por inseri-las como pessoas ativas em suas histórias. Neste sentido, nada mais fez do que apresentar mulheres como o cinema de animação já apresentava homens. O que, na contemporaneidade, pode ser visto como algo simples, mas passou por muitos anos de construções de princesas indefesas, a espera de príncipes para salvá-las, como fez a Disney. Inclusive, na época em que Hayao Miyazaki dirigiu o filme Nausicaä do Vale do Vento.
Nausicaä é uma princesa do Vale do Vento, uma pequena comunidade de pessoas em meio à uma realidade pandêmica, inserindo o filme do cinema japonês em diálogo com a nossa realidade. O conflito entre Ser Humano e Natureza não é recente e o ódio de Ohmu é o ódio da própria Terra, como afirmou Obaba no filme, pois se tratava de uma reação à degradação que estava sofrendo.
O Ser Humano, que tanto necessita da Natureza para a sua sobrevivência, é compreendido como o principal agente da destruição, sem entender que só é mais um animal entre tantos que a integra. Neste sentido, uma frase bradada pelo rei Jihl, pai de Nausicaä, se tornou emblemática: “Os bichos e os homens não podem viver no mesmo mundo”. Tal afirmação, aqui inserida para questionamentos, foi feita quando Nausicaä ainda era uma criança e tentava esconder um filhote de Ohmu, para que não sofresse nas mãos de seres humanos. Uma atitude protetora de uma personagem construída como o elo entre dois universos complementares, mas em desequilíbrio.
Outras cenas do filme ressaltam essa construção da personagem, como a sensibilidade para se relacionar com a floresta tóxica, ao adentrá-la usando uma máscara para proteger a sua respiração; a forma como decide coletar amostras do ambiente para estudos; e como procura estabelecer um diálogo com outros animais, apresentados como espécies estranhas aos seres humanos, que os desconhecem e por isso os temem, os repelindo ou tentando domar, ao invés de procurarem estabelecer uma convivência pacífica.
Isso não é uma novidade para uma sociedade que está passando por uma pandemia, em uma crise sanitária sem saber a origem da transmissão da doença, mas que estuda a transmissão por outros animais, que podem contaminar sem sentir os mesmos danos. Outrora, esses animais foram digeridos pelo ser humano que, se confirmado, os engoliram junto com o vírus, em uma ânsia por consumir o mundo.
No caminho por uma dominação, os seres humanos de comunidades diferentes, como apresentados no filme, entram em disputas políticas e de poder, pensando em um controle social pós pandemia, sem uma necessária preocupação com o tempo presente, que vai sendo corroído, levando consigo a possibilidade de um futuro. A falta de cooperação no desenvolvimento de estratégias para lidar com uma crise parou, inclusive, com o vento característico do vale e Obaba entrou em pânico porque não conseguia respirar. Com isso, é possível estabelecer um diálogo do filme com a pandemia de Covid-19, em um encontro entre arte e sociedade.