Análise: Portal da Carne (Nikutai no Mon, 1964) de Seijun Suzuki

Texto por Marcos Aurélio Valder Teixeira.

Suzuki teve o orçamento reduzido para a realização de O Portal da Carne, por isso resolveu assumir uma estética teatral , optando por reconstruir a cidade de Tóquio (local onde se passa integralmente o filme) sob as ruínas do pós-guerra de maneira simples e intimista, um exímio trabalho do diretor de arte Takeo Kimura que apresenta de maneira eficaz as ruínas de Tóquio e ao mesmo tempo uma cidade em processo de reconstrução. Além da construção das ruínas da cidade de Tóquio, um barco envelhecido pela guerra e uma igreja cristã são outros aspectos cenográficos teatrais de destaque e que consequentemente mostram a situação do Japão no pós-guerra, como também o processo de ocupação estadunidense no país. Enquanto o primeiro aspecto cenográfico citado corresponde a momentos de entretenimento entre as garotas (como também o lugar onde o ápice do filme acontece), o segundo intersecciona o processo de intervenção do cristianismo com a ocupação estadunidense

Ao assumir essa estética teatral Suzuki permite a intervenção de elementos físicos do universo cinematográfico, algo que acontece logo no começo do filme, por exemplo, com a sombra da grua e os seus operadores sendo projetada ao chão. Essa estética teatral também está presente em diversos momentos do filme, lembrar do primeiro encontro entre Sen e Ibuki com o movimento de uma iluminação pontual cênica. Na montagem, Suzuki estabelece elipses com bastante criatividade e precisão. De certo, há uma elipse memorável que corresponde a um travelling para a direita (de uma sala onde Sen está sendo tatuada) revelando Ibuki de costas segurando uma faca, seguida de uma cena onde um soldado estadunidense está deitado na maca após ser esfaqueado.

De todos elementos estéticos, o memorável se encontra justamente na composição da paleta policromática criada por Suzuki e Kimura. Cada personagem possui uma respectiva cor e múltiplas tonalidades em vestimentas e adornos, algo importante na composição da paleta que nos dá total liberdade para diversas e possíveis interpretações ( em entrevista Suzuki afirmou que não havia nenhum significado pela escolha, mas que dava abertura para livre interpretação para a estética e/ou psicologia das cores escolhidas). Sen é a cor vermelha, Machiko a cor preta, Ofuku a cor branca, Omino a cor roxa e Oroku é a cor amarela. Logo no início do filme, após Maya ser apresentada as colegas do grupo, Sen discursa sobre a importância de seguir rigidamente o código de confiança, Machiko aparece posicionada isolada ao lado direito do plano e um corte seguinte mostra Ofuku tomando banho enquanto o discurso de Sen continua e se encerra em voice over. E são exatamente essas duas personagens e as únicas duas cores monocromáticas que quebram o código de confiança, além de Maya (a protagonista) no epílogo do filme que passa a usar a cor verde após entrar para o grupo.

Portal da Carne não é apenas um filme sobre a história de uma grupo de prostitutas no Japão ocupado pelos EUA, é o retrato de um país massacrado pela guerra, lutando para sobreviver a todo o caos possível mesmo mergulhado sob a dominação e exploração estadunidense.

Texto por Marcos Aurélio Valder Teixeira.

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Grupo de Estudo Arte Japonesa Unifesp

Grupo de estudo ministrado pela Profª Michiko Okano com o objetivo de divulgar a arte e a cultura japonesa no Brasil